04 novembro 2014

Romênia... Ah! A Romênia!

Romênia... Ah! A Romênia!

Depois de 10 dias na Sérvia é chegado o momento de mais uma vez "levantar o acampamento", refazer as malas e partir... um trajeto complexo, de Guca um ônibus para Belgrado, em Belgrado a espera do carro de viagem que nos levará para Romênia, o carro que não é o carro, nos leva ao carro que de fato nos levará a Timisoara (Romênia). No carro: o motorista, a minha amiga francesa e mais duas moças. Passamos pela fronteira, alguma solicitação de documentos e desconfiança, que fica a critério do motorista discutir, enfim, passamos e seguimos viagem até chegar a estação de trem de Timisoara (Romênia), com muita dificuldade na comunicação, conseguimos nossas passagens destino a Deva onde o irmão da Braia (minha acolhedora) estará a nossa espera para nos levar a Mintia.



O trem! Sim, este é o nosso trem! Em nossa cabine, apenas mulheres, meninas novas. O silêncio, um pouco de medo, mas a confiança de que "quando a gente viaja a providência divina toma conta" (nunca me esqueço quando a Clara, minha acolhedora na Turquia, me disse isso). No caminho, muitas imagens, meus pensamentos viajam e por um momento me sinto dentro daquele filme que me inspirou estar lá, "Latcho Drom".



Ao chegar, a frase "te aven bartali" faz Braia se emocionar e me dá um abraço acolhedor e aponta para a porta do meu quarto, que me recebe com a bandeira do Brasil, a mesma que segue os dias carinhosamente na mão das crianças.



Os 4 dias que convivi com esta família, me pareceram meses, foram tantas conexões, tantos aprendizados que não me caberiam aqui descrever. Na casa, Braia, seu marido e dois filhos, o seu irmão solteiro, o seu irmão casado (que estava sem a esposa) com o filho (um cigano romeno alemão), seu outro irmão com a  esposa e o filho. A casa sempre cheia,o tempo todo chegando mais e mais gente. Faltou apenas um irmão, que vive na Suíça e casou-se por lá. 


Pude vivenciar o seu cotidiano...
O que é viver naquele lugar, naquela pequena cidade? O que é ser cigano na Romênia? Como é andar pelas ruas do centro sendo cigano?

Como se vestem? Como lidam com o "preconceito"? Como convivem? Como sobrevivem? O que pensam?

Foram 4 dias recheados de muito diálogo. Como?!
Braia, sem estudo, fala romeno, romanês, pouco de inglês, francês e um pouco de espanhol. Seu irmão (que vive na Alemanha) fala romeno, romanês, inglês, francês, italiano, alemão, espanhol. Como assim?! Aprende-se pela televisão ou viajando a trabalho. São 2 meses aqui, 2 meses alí....



As primeiras aulas de dança na Romênia, nesta pequena cidade, Florin nos recebe. E sinto como se pela primeira vez eu estivesse tento uma aula de dança cigana. O foco continua sendo os pés. Expressão individual? Liberdade? Alma? Isso não é falado em aula, mas fala-se de sangue! E vejo o que é natural, como as crianças aprendem espontaneamente, e isso confirma a minha crença do aprendizado pela convivência, pela observação, no estar e pertencer aquele meio desde a infância, isso faz muita diferença para quem deseja fazer a reprodução fiel de uma dança! Caso contrário, somente a consciência corporal e técnicas podem te aproximar daquela maneira de se dançar.
Se eu estou aqui para aprender uma maneira diferente de se dançar a dança cigana, também desperto a curiosidade deles: "Mas tem cigano no Brasil?", "Como se dança no Brasil?", "Como os não ciganos querem dançar a dança cigana?", E, a cada nova platéia que vem assistir a aula da estrangeira, é preciso mostrar a minha dança!


No último dia em Mintia, na casa da Braia, uma visita inesperada, o primo com a família (esposa e dois filhos) vieram para passar o dia... Acho que vivo cenas muito parecidas no Brasil e de novo o meu pensamento "tudo igual, mesmo sendo diferente". Chegou visita! Supermercado, compras, comida... Conversas que seguem a noite toda. Fica tarde, amanhã é dia de partir cedo, preciso "levantar mais um acampamento" e seguir para Targu Mures, em busca do melhor grupo de dança cigana da Romênia. A família passa a noite por aqui e pela manhã seguirá sentido Targu Mures também, ganho uma carona e mais uma vez o sentimento de acolhimento. Sinto-me parte daquela família, que faz de tudo para me agradar.



Na estrada, paradas turísticas e as paradas para ver carro, carros antigos e o desejo de trocar o carro, comprar um maior para levar a família toda de lá para cá. Mihai pergunta: "Seu noivo gosta de carros?", eu respondo sim. E ele: "sabe porquê?! Porque ele é cigano". Me sinto tão longe, mas tão perto, tento traduzir estes momentos em fotos, que não conseguem captar muito mais do que imagens. Ainda na estrada, me sinto parte de mais um filme que me motivou estar lá, Gadjo Dilo, neste caso: Gadji Dili.








Chegando em Targu Mures, outra aula, outra região, um estilo um tanto diferente. Iosif Buta, me recebe em um estúdio de dança, acompanhado de um amigo, o tradutor. Uma aula com pausas para o cigarro, Ok, é preciso ter muita paciência. Iosif me promete mais dois dias de aula, mas desaprece e só me dá um retorno quando já estou no Brasil. É preciso paciência, claro, estou tratando com cigano, uma postura profissional muito diferente de outros profissionais da dança, que me servem para aprender mais e mais.





Um final de semana para descobrir Targu Mures, onde encontrei um lugar para passar o meu tempo livre, Piata Tandafirilor (praça das rosas), uma arquitetura húngara, numa região de grande influência húngara, onde no cardápio você encontra a opção romena e húngara, onde muitas pessoas falam romeno e húngaro, e o inglês é raro. Lá, sento e observo, meu tempo para assimilar aquele local, as pessoas e nesta observação ser frequentemente surpreendida pelas cores ciganas que atravessam as ruas e se cruzam com diferentes pessoas, assim convive-se com a ciganidade romena.


É chegado o dia da aula com uma das integrantes do Romafest o melhor grupo de dança cigana da Romênia. Não é só lábia, eles são realmente incríveis! O grupo de homens não estará pela Romênia neste período, mas algumas das garotas sim! O líder do grupo me dá todo amparo, mesmo a distância, organiza tudo para mim, mas aquilo que aparentemente tinha mais estrutura, se transformou em uma das minhas maiores experiências. Seu irmão que vem para organizar a aula com uma dançarina, me recebe no hotel, me encaminha a uma sala de aula gigantesca dentro de um Centro Cultural a espera da dançarina que me ensinará. O primeiro problema: não tem música. Espero por mais de 30 minutos que ele retorne com a música, ele chega acompanhado de sua mãe, uma senhora morena, de olhos verdes e que na falta da garota começa a dançar comigo, tem uma dança diferente de tudo que já vi, um movimento de pés diferente e com uma velocidade incrível! A garota não aparece e sou encaminhada a vila onde eles moram, lá uma outra garota me aguarda para me ensinar. Deixamos aquela ampla sala de aula do

centro cultural para dançar na entrada de uma casa, com algo semelhante a uma cozinha do lado de fora da casa (mesa, geladeira, fogão) e na rua todos os moradores da vila vem para assistir a estrangeira dançar (cena que me remete de novo ao Gadjo Dilo). Ok! Esta experiência me vale muito mais, dançamos, dancei com ela, com sua mãe e ainda tive a oportunidade de ver sua filhinha dançar e de novo compreender sobre o ensino/aprendizado da dança de um povo onde aprende-se simplesmente por ser e estar.
E mais uma vez, a troca de informações, as curiosidades se repetiram: "Mas tem cigano no Brasil?", "Como você sabe alguma coisa de romanês?",  "No Brasil não usam saia curta?",  "Cigano no Brasil é ladrão?", e claro, "Dance! Queremos ver"...Ok! A grande platéia se prepara e danço a minha dança..."shukar!"



Enfim, foram muitas experiências... andar pelas ruas e a todo instante "tropeçar" em ciganos, aqueles que ainda vestem suas roupas tradicionais, antigas, e aqueles que acham besteira manter costumes e julgar o outro pela roupa que veste, todos falam e entendem o romanês, a grande maioria dança muito bem e muitos dançam incrivelmente bem e outros não dançam. Cenas de brigas familiares pelas ruas que merceiam um registro, cenas altamente dramáticas assim como de filmes, assim como na vida real. As casas, altamente decoradas do lado de dentro, uma digna casa de cigano, porém com banheiros que desencorajam qualquer um a entrar, algo pior do que vivi na Índia... Foram muitos aprendizados, em dança, em cultura cigana e para vida. Mas na hora de voltar sinto um vazio, está faltando algo, talvez na dança ou no todo, não sei... Sei que de todas as minhas viagens esta me trouxe a bagagem cheia (de experiências) sim, com muitas novidades para a dança, mas anda sim encontro este vazio porque sei que a Romênia ainda tem muito a me oferecer!






Saphyra Cristiane Wilson
Romênia - Agosto 2014

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